15 dezembro 2009

meu poema publicado na revista "Não Funciona" #17

um prólogo

1
a caravana ainda ainda
sob um saldo de corujas

um barco atravessa um pântano de sono

2
mover casa e árvore

a cada manhã, do mesmo cavalo
trocar a cabeça de madeira
e chicoteá-la

3
no entrementes de bugigangas
um canário em sua gaiola
para acordar tudo o que leva fora
(em seu olho e canto, dentro)
canta

4
vestir o tigre
(sua pele)
evocá-lo nas costas e cotovelos
para convencer outro tigre a morrer no lugar dele

5
mão de homem, onde via a mãe:
ele abriu uma tangente
deixando a própria mão postiça
no lugar da mão postiça dela
no braço

6
e todas as previsões
ditadas pelo oráculo do planeta
(do auge de sua inexistência)
falavam de planetas
e de sua existência

7
poucos pisavam sobre a terra

8

E foi nesse momento, ainda os trovões metade nos bolsos, o gesto emaranhado na mão, os dedos dos pés cravados no pulso da nuvem e muito planeta abaixo (pois abarcava, medida de toda fúria, de montes sem nomes às estátuas aos deuses), nesse momento, em que descobriu uma estátua sua, com seu nome e salitre e exatamente essa sua mesma pose, trovões, bolsos, mãos e pulso, estátua cujos olhos cavados também apontavam algo abaixo de si, como se outro deus também obrigado a lhe figurar, foi nesse exato momento que algo lhe chamou a atenção... e ele, sem querer, olhou para cima.

Daí ao resto de sua imortalidade, por muito que gritasse e caísse de joelhos e violentamente procurasse, encontrava apenas a realidade daquele solo de pedras que havia se materializado sob seus pés.

Um comentário:

Márcia Tomobe disse...

Lindo. Me identifiquei muito.