26 fevereiro 2010

resenha de "O que é poesia?" no JB, 20/02/2010

Uma simples pergunta - Livro organizado por Edson Cruz mostra o quanto a essência poética é indefinível

por Marcos Pasche*

O que é poesia? deve-se a uma enquete organizada pelo poeta e editor Edson Cruz, lançada primeiro em seu blogue, agora tornado volume contendo os depoimentos de 45 poetas, sendo 36 brasileiros, aos quais se integram escritores de Portugal, México, Argentina, Uruguai e Cuba. O número de colaboradores é o primeiro fator de importância, pois a partir dele se oferece um amplo panorama da produção poética, além de exibir as concepções elementares que cada um tem a respeito de seu ofício ou vocação.

O livro ganha em credibilidade e atesta ser democrático por congregar poetas de tendências, gerações e concepções bastante diversas, como o experimental André Vallias e o contestador Affonso Romano de Sant’Anna, o avesso aos mecanismos tradicionais de composição poética Carlos Felipe Moisés e o defensor do estudo da métrica e da rima Glauco Mattoso, o consagrado Augusto de Campos e o jovem Victor Paes.

Mas fica a cargo das respostas das três perguntas propostas por Cruz (além da referida, constam “O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?” e “Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?”) o aspecto de maior brilho, pois surpreende ver as várias possibilidades conviverem ao lado da impossibilidade de emitir alguma resposta com confortável precisão.

Muitas intervenções são de fato previsíveis. Por exemplo, quando se trata de declarar as influências: Drummond, Cabral, Pound e Pessoa são majoritários, cabendo a Aníbal Beça e a Ricardo Aleixo as declarações mais diferentes: enquanto o primeiro assinala os textos críticos de José Guilherme Merquior, Ivan Junqueira e Antonio Carlos Secchin, o segundo relaciona o geógrafo Milton Santos e a sambista Clementina de Jesus.

Quanto ao procedimento que deve tomar um poeta iniciante, quase todos tomam o cuidado de não se mostrarem detentores da verdade, mas aqui também há quase um consenso: o conselho obviamente propagado é o da leitura irrefreável, seguido da busca pela própria voz. Em meio às recomendações técnicas, é iluminadora a fala de Luiz Roberto Guedes, para quem a poesia não pode se dissociar da vida.

As maiores fichas dos autores interpelados são depositadas no que tange às suas concepções da poiesis. Há opiniões objetivas e redutoras (“Um texto da função poética da linguagem”, diz Ricardo Silvestrin); outras amplas, como a do luso Nicolau Saião, que fala da poesia propriamente dita e também menciona a poesia do existir, “inerente às coisas”; há falas baseadas numa perspectiva sublime, como a de Antonio Cícero (“É a propriedade que torna um objeto – em particular, um objeto verbal – algo que, mesmo sendo inútil, mereça existir”), e outras substantivamente provocadoras, como a de Sebastião Nunes, uma nítida crítica ao excessivo experimentalismo contemporâneo. Para ele, a poesia deve ser a busca pela originalidade.

Como se vê, as perguntas são poucas, mas as respostas, de infinitas possibilidades. Edson Cruz, que na introdução deixa claro haver possibilidade para um segundo número do volume, parece ter conseguido o objetivo de sua empreitada: aprofundar o questionamento que deve ser respondido. Mas a justeza e a precisão das respostas são matéria para outra discussão, docemente interminável.

* Doutorando em literatura brasileira pela UFRJ.

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