08 janeiro 2010

sobre experienciar

trecho do conto "Pentágono de Hahn", de Osman Lins

Sei, com segurança, que jamais conhecerei experiência semelhante. Virei a ser feliz em outras horas. Agora, porém, dentre as mil possibilidades da vida, abriu-se um espaço, uma esfera, um acaso benéfico, propícia configuração de fatores, de grande duração e amplitude: harmonia entre o momento em que estou imerso e as necessidades mais profundas do ser. Tudo querendo registrar, aguardo, atento, a interrupção, o fim. Com espírito vigilante para o elemento novo (abrir de porta, canto de galo, nuvem sobre o sol) que demonstrará para sempre a rara conjunção, não percebo que essa espreita desagrega-me do bem-estar, do centro privilegiado do instante, pois, embora eu continue imóvel, já existe em mim uma crispação mortal. E na exata hora em que, voltado para meu êxtase, descubro estar entre as suas causas minha espera, ele começa a efetivamente morrer, esvair-se, não lhe sendo possível subsistir ante a evidência de que na estrutura da alegria estão meu desalento, meu vazio, todos os venenos que vêm substituindo a seiva do viver, e me estiolam.

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