14 fevereiro 2012

Octavio Paz

Trecho de "Pedra de sol", de Octavio Paz, tradução de Horácio Costa (Demônio Negro, 2009)

(...)
tudo se transfigura e é sagrado,
é o centro do mundo cada quarto,
é a primeira noite, o primeiro dia,
o mundo nasce quando dois se beijam,
gota de luz de entranhas transparentes,
o quarto como um fruto se entreabre
ou explode como um astro taciturno
e as velhas leis roídas pelos ratos,
as grades dos cárceres e dos bancos,
as grades de papel, grades farpadas,
os sinetes, os segredos e as chaves,
o sermão monocórdico das armas,
o falso escorpião com seu capuz,
o tigre de cartola, Presidente
do Club Vegetariano, da Cruz Vermelha,
o burro pedagogo, o crocodilo
metido a Redentor, a pai de povos,
o Chefe, o Tubarão, o porco uniformizado,
o filho dileto da Santa Madre
que escova sua negra dentadura
na água benta do altar e toma aulas
de inglês e democracia, as paredes
invisíveis, as putrefatas máscaras
que dividem o homem de outros homens,
o homem de si mesmo,
derrubam-se
por um instante imenso e vislumbramos
nossa unidade perdida, o abandono
de ser homens, a glória de ser homens,
e repartir o pão, o sol, a morte,
o esquecido assombro de vivermos;
(...)

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