quase um sábio chinês
Com o volume de contos
Deus ex machina, o carioca Victor
Paes mostra estilo próprio e desenvoltura em histórias desconcertantes
A poesia nunca se prende, ela nunca se restringe ao verso. O
carioca Victor Paes é poeta e parece que sabe disso. Ele acaba de lançar, pela
Editora Confraria do Vento, Deus ex
machina, no qual apresenta um interessante panorama do ser humano,
apontando falhas e possíveis acertos. Este bom escritor lida com as palavras
com a atenção, com os cuidados de um jardineiro, com a atenção de um sábio
chinês.
Victor soube esperar para colher, no tempo certo, o verbo
pronto, saído sabe-se lá de onde, dos desvãos, dos “de dentro” do peito, da
alma que insiste em chamas.
Victor soube colher, assim, o verbo lúcido, com toda a sua doçura
natural, ou com o acerbo, que melhor define, que melhor descortina as cenas, a
ambiência dos contos de Deus ex machina.
Victor costura, com delicadeza, às vezes com uma paciência certeira,
um mosaico sobre as cores da alma, descortina um panorama que traz uma
atmosfera – sempre densa – de incertezas e enganos. Tudo que acontece de um
lado não necessariamente ocorre ou interfere no outro lado. Victor, com os seus
contos – que são também pontes –, nos lembra que existem jardins de beterrabas,
brincos, ele alerta que existem tipos, existem pessoas prontas para matar.
Existem pessoas que, apesar de tudo, seguem o ritmo de suas vidas, a despeito
do desacerto e das cicatrizes.
O autor carioca prefere o soco instantâneo, rápido. A falta
de fôlego empresta cores duras aos textos. Victor é dono de um estilo, acima de
tudo, bom, mas corrosivo, como deve ser a essência das coisas que queimam. Não
se trata de literatura de entretenimento. Na contramão, mas atento, Victor
prefere os seus, os nossos tantos inversos. Com todas as cartas na manga,
Victor, contudo, considera e respeita a ordem natural das coisas que existem.
Os opostos fascinam bem mais que as simetrias ilusórias. Victor preza o que
existe de intenso, o tenso que sobra da vida, as sobrecargas.
O sumo, o cerne, a essência, a parte interna dos mecanismos
da vida. Victor elege, de forma às vezes bruta, este alvo impreciso. Ele mira o
incerto e joga um bom jogo com as palavras. O interessante é que surge deste
movimento uma sensação de improviso, em que todos acabam vencidos. Victor tem
um estilo próprio, corajoso, que vai de encontro, que não recua, que avança
como avançam os melhores cães. Percebe-se, em alguns contos, uma certa raiva,
um descontentamento promissor, arma que serve de combustível para bons textos,
para boas escolhas. Victor não perde o prumo, não perde o tino e o foco de sua
atenção. É do cotidiano que surgem os melhores descobrimentos, os mais puros, os
mais desconcertantes.
SUSTOS E SOCOS
O autor de Deus ex
machina transita num ambiente, numa ciranda conturbada, nas ambivalências
de uma ciranda sem flores.O meio-termo não existe para certas velocidades. Certos
textos, certas histórias só poderiam existir no formato do conto. Existem
ventos súbitos. Existem, a cada passo, à espreita, um punhado de sustos, um bocado
de socos. Victor revida, num contra-ataque sem gols.
Victor prova do amargo e sente que tudo se cola, que tudo é
junto, luz e sombra, falta e sobra. Victor apenas escreve, sem maiores
objetivos, pois talvez percebeu que a mudança de rumos independe de lágrimas ou
possíveis alegrias. As verdadeiras mudanças ocorrem seguindo uma rota estranha,
obedecendo a forças sempre misteriosas.
Victor Paes é escritor, ator e editor da Confraria do Vento.
Publicou Mas para todos os efeitos nada
disso aconteceu (Dulcineia Catadora, 2010), além do livro de poesia O óbvio dos sábios (Confraria do Vento, 2007).
Tem publicados contos e poemas em diversas revistas e sites. Participou das
coletâneas 24 letras por segundo (Não
Editora, 2011), organizada por Rodrigo Rosp, e XXI poetas de hoje em dia(nte) (Letras Contemporâneas, 2010),
organizada por Priscila Lopes e Aline Gallina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário