09 março 2009

poema que apresentei no evento Boca de Baco, escrito sobre a música "Que carro de boi é esse?", de Pedro Osmar e Loop B:

1

vai, inteligência de aviamentos
(são três, e isso é ser exatamente quatro)

vai, porque tudo escuta, um mover-se dentro

vai, até onde o tempo acaba
pois é lá que tudo se configura:

o tempo acaba nas bordas dos objetos


2

Alberto fugiu da escola com dois brinquedos verdes

foi encontrado entre a tarde e a noite
a não mais querer voltar de lá

Alberto foi a última palavra que Alberto aprendeu
(aprendeu antes “extintor” e “sumidade”)

uma vez tentou acordar antes do despertador
mas ele não tocou

gosta de tirar farpas dos dedos de seu avô
e abre envelopes melhor com os dentes

diz que sofre de elogios
mas calcula vaias

Alberto não fala de si
muito menos em público


3

vai, e encontra o centro do maior objeto de seu quarto
pois é lá que fica escondido um apito de lembrar silêncio
objeto, ainda assim

vai, porque pessoas são objetos três vezes ao dia


4

Alberto se pergunta: até que horas vale o jornal do dia?

uma vez inventou o objeto mais transparente do mundo:
um brinquedo, para seu irmão morto brincar

mas era tão transparente,
que, numa distração, nunca mais o encontrou

Alberto tem um assobio sem remédio em seu ouvido
que herdou com um carro de boi de seu avô

Um comentário:

Clara Vasconcellos disse...

Putz. Muito lindo. Parece Manoel de Barros. :)