08 julho 2010

lucidez

lucidez genial de alguém que foi se transformando em um bicho...

trecho do conto "O buraco", de Luiz Vilela

"Num daqueles dias em que, ao sair à rua, eu ouvira as pessoas falando e rindo de mim, cheguei em casa tão deprimido que, sem parar, comecei a andar de quatro. Mamãe deu um grito, e só aí eu percebi a coisa. “Meu filho!”, ela disse e veio correndo me abraçar. Ao levantar-me para ela é que percebi que eu estava de quatro; tive de fazer um esforço enorme para acabar de me levantar e para, depois, manter-me de pé. “Que mal fizemos para merecer essa desgraça?”, ela chorava, me apertando em seus braços. Como explicar para ele que nem eu, nem ninguém tinha culpa daquilo, que aquilo acontecera porque havia começado um dia, e havia começado por um simples acaso? E que tudo era assim porque havia começado assim, e que se tivesse começado de outro jeito, teria sido de outro jeito, mas que ninguém podia saber por que uma coisa começava desse ou daquele jeito, e que, mesmo que soubesse, isso não adiantaria nada porque a coisa já havia começado? Mas isso era muito difícil para ela entender, e eu fiquei em silêncio, deixando simplesmente que ela me abraçasse."

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