11 dezembro 2010

Juan Rulfo

trecho do livro "Pedro Páramo", de Juan Rulfo
(Editora Record, 2009, tradução de Eric Nepomuceno)

- Lá fora o tempo deve estar mudando. Minha mãe me dizia que, assim que começava a chover, tudo se enchia de luzes e do cheiro verde dos brotos e botões. Contava como chegava a maré de nuvens, como despencavam sobre a terra e a descompunham trocando suas cores... Minha mãe, que viveu sua infância e seus melhores anos neste povoado e que não pôde nem vir morrer aqui. Até para isso me mandou em seu lugar. É curioso, Dorotea, mas não consegui nem ver o céu. Pelo menos, talvez, deve ser o mesmo que ela conheceu.

- Sei não, Juan Preciado. Fazia tantos anos que não erguia o rosto, que me esqueci do céu. E mesmo que eu tivesse erguido, o que haveria de ganhar? O céu está tão alto, e meus olhos tão sem olhar, que vivia contente só de saber onde ficava a terra. Além do mais, perdi todo o interesse depois que o padre Rentería me assegurou que eu jamais conheceria a glória. Que nem de longe a veria... Foi coisa dos meus pecados; mas ele não devia ter me dito. Já de por si a vida se vai com o trabalho. A única coisa que faz com que a gente mova os pés é a esperança de que ao morrer nos levem de um lugar a outro; mas quando fecham para a gente uma porta e a que continua aberta é só a do inferno, mais valeria não ter nascido... O céu para mim, Juan Preciado, está aqui onde estou agora.

- E a sua alma? Onde acha que ela foi parar?

- Deve andar vagando pela terra como tantas outras; buscando vivos que rezem por ela. Talvez me odeie pelo mau trato que dei a ela; mas isso já não me preocupa. Descansei do vício de seus remorsos. Eu me amargava até por causa do pouco que comia, e fazia minhas noites insuportáveis enchendo-as de pensamentos intranquilos com figuras de condenados e coisas assim. Quando me sentei para morrer, ela rogou que eu me levantasse e que continuasse arrastando a vida, como se esperasse ainda por algum milagre que me limpasse de culpas. Nem tentei: “Aqui o caminho se acaba” disse para ela. “Não me restam forças para mais.” E abri a boca para que minha alma fosse embora. E ela foi. Senti quando caiu em minhas mãos o fiozinho de sangue com que estava amarrada ao meu coração.

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